17 fevereiro 2009

Alex Kapranos e a Gastronomia Portuguesa


"Snacks & Outros Sons", Alex Kapranos, edlp Marketing Lda, 2008, 144 págs, € 9,90

Não resisto a reproduzir aqui o destaque que o excelente Guedelhudos dá ao livro de comezainas de Alex Kapranos, dos Franz Ferdinand.

Eis o que escreveu sobre Lisboa:

Subo a íngreme Calçada da Glória pelo lado dos carris do funicular, com as solas de pele escorregando das pedras da calçada que são como cubos irregulares de gelo vulcânico.

Falha-me um pé e agarro-me ao corrimão partido. Esta ravina urbana espartilha dramaticamente a cidade velha de Lisboa. As paredes estão cobertas de graffiti em gatafunhos tipo esparguete enrolado com cores anarquistas de sprays.

Encontro-me com o Parker à porta do Alfaia na esquina da Rua do Diário de Notícias e da Travessa da Queimada. A cadeira de alumínio onde me sento está de tal forma inclinada que me faz escorregar para o espaldar.

Trazem-nos à mesa uma selecção de queijos, presunto e azeitonas. Vale a pena ir a Lisba só para comer queijo de Azeitão. A casca velha, envolta em gaze muçulmana, parece a pele de uma múmia egípcia.

Cortaram-lhe uma tampa na parte de cima e traz uma colherzinha espetada no interior cremoso. É feito numa terra um pouco a Sul, perto da serra e do litoral, a partir de leite de ovelha cru e não pasteurizado, com cardo em vez de coalho.

Barramo-lo como mel em fatias de pão fresco e a sua doce pungência dilata-nos as narinas, forrando-nos o tecto das bocas.

Surge uma travessa roxa de polvo, temperada com um picante suave. O Parker fala-me na escala de Scoville, usada para classificar os picantes. Uma pimenta jalapeno tem cerca de 3.000 pontos e um pimento vermelho zero. O que comemos só perfaz umas duas centenas.

À nossa direita fica a janela da cozinha. Filas de metais contemplam, na nossa direcção, as fotografias desbotadas dos penteados do ano passado na montra do cabeleireiro do outro lado da rua.

O chefe vê-nos e enfia o polegar e o indicador nos olhos de um salmão do mar de nariz atrevido, segurando-o para o podermos ver, abrindo as guelras num sorriso escancarado.

Pedimos peixe. A Caldeira de Peixes do Mar é descrita como "diferentes pedaços de peixe cortados aos bocadinhos e cozinhados em tomate, cebola, alho, vinho branco, pimentos, com batata a acompanhar".

Nacos grosseiros de peixe desconhecido nadam num molho com um sabor rico de ter estado a refogar de um dia para o outro. Para o caso de as batatas amarelas não terem absorvido todos os sabores, há fatias esponjosas de pão no fundo, debaixo dos ossos.

Raspamos a última colher da casca do Azeitão. Entornamos a última gota do vinho tinto. As pedras da calçada parecem mais escorregadias a descer.