Vítor Belanciano
in Público
Hoje cerca de 44 mil pessoas vão encher o Estádio Alvalade XXI para ver o grupo rock
A analogia não é nossa, foi feita pelo crítico Alexis Petridis, do diário britânico "The Guardian", no final do ano transacto: em 35 anos de carreira, sempre que o grupo rock australiano AC/DC chegou aos lugares cimeiros dos tops europeus vivia-se um ambiente generalizado de crise económica.
O grupo formou-se em 1973 em plena crise do petróleo. O seu maior sucesso de sempre, o álbum Back in Black, vendeu 30 milhões e foi lançado em 1980, quando na maior parte dos países da Europa Ocidental a recessão e o desemprego proliferavam. Quando a economia recuperou, a popularidade do grupo diminuiu, culminando na edição, em 1985, de Fly on the Wall, um dos seus álbuns que menos venderam - um milhão de exemplares.
Em 1990, quando os AC/DC voltaram ao activo com o álbum The Razor's Edge, uma recessão europeia era iminente e, no ano passado, depois de oito anos sem lançarem um disco de originais, a maior crise económica financeira das últimas décadas irrompeu. Os AC/DC agradeceram a conjuntura, vendendo de Black Ice, o seu 16.º álbum de estúdio, cinco milhões de exemplares só na semana de lançamento - número notável para o momento conturbado da indústria -, trepando aos primeiros lugares das tabelas de vendas em inúmeros países, o que já não acontecia há duas décadas. Hoje os australianos são o segundo grupo na lista dos que mais álbuns venderam na história da cultura pop, só suplantados pelos míticos Beatles.
Cumprir o esperado
Não espanta que o Estádio Alvalade XXI, em Lisboa, esteja praticamente esgotado para os ver hoje - segundo a produtora Everything Is New, restarão perto de dois mil dos cerca de 45 mil bilhetes postos à venda, entre os 55 e os 60 euros. Será um sinal de que a crise económica já lá vai? Ou apenas mais um indício que confirma que os AC/DC se dão bem com momentos históricos onde prolifera a desordem e o desconhecimento sobre o futuro?
Petridis não o conclui, mas não custa perceber que os AC/DC se dão bem com circunstâncias de incerteza, porque tudo aquilo que projectam - a música, a atitude, a roupa - é precisamente aquilo que é esperado deles. Confortam, não provocam. No meio do desconhecido, deles sabe-se o que esperar. Ao longo de 35 anos sempre fizeram a mesma coisa, o que no caso do guitarrista Angus Young significa também vestir sempre o mesmo uniforme escolar. Nem a morte do vocalista Bon Scott em 1980, substituído por Brian Johnson, desviou o grupo do som e atitude de sempre.
No último álbum, como sempre, apresentam-se enérgicos, praticando um rock pesado que passa o tempo a projectar um imaginário de rebelião, desafio da autoridade, embora permanecendo conservador. A primeira e única vez que tocaram em Portugal foi há 13 anos, no Estádio do Restelo, em Lisboa.
Claro que hoje apresentarão algumas temas novos referentes ao novo disco e o espectáculo cénico, com pirotecnia pelo meio, terá contornos diferentes, mas o que todos quererão confirmar é que Angus Young ainda é capaz de fazer solos de guitarra em Highway to hell, Back in black ou Whole lotta rosie, ou que as letras continuarão a espelhar os chavões ligados ao sexo, às mulheres, à vida do rock & roll. O que todos quererão comprovar é que o mundo, mesmo com crise financeira, não mudou assim tanto. O que todos quererão corroborar é que, apesar das mudanças à nossa volta, há coisas que nunca mudam. Como os AC/DC.
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