Patti Smith assinou na noite de domingo um dos melhores concertos que Lisboa recebeu este ano. O regresso a Lisboa, após passagem pelo pavilhão Carlos Lopes em 2001, foi o mais feliz possível. Houve alma, empenho e comunhão total com o público que encheu o Coliseu e que ia das gerações mais novas, às mais batidas nestas coisas do rock. Patti está muito bem conservada, e muito bem acompanhada por uma excelente banda, convocou grandes almas do rock n'roll, dedicou um tema a Fernando Pessoa, elogiou a capital portuguesa, e virou a plateia ao contrário ao convencer o público a trocar as cadeiras pelos corredores de acesso ao palco.
A última noite da digressão europeia de «Twelve» aconteceu em Lisboa, e foi um privilégio receber uma lenda do rock em tão boa forma mental, física, e vocal. Patti Smith sobe ao palco com mais de três décadas de carreira, mas revela a mesma vontade de ali estar de sempre. Aqui a expressão «animal de palco» faz todo o sentido para falar da maneira como Patti ocupa o espaço. A noite arranca com "Redondo Beach" e logo a plateia sentada corresponde. Patti sorri e mais para a frente vai até perto da primeira fila acenar, para mais tarde entrar pelos corredores entre as cadeiras para ir cumprimentando os seus fãs. Foi o mote para mais ninguém se sentar, e o espaço em frente ao palco foi invadido pelos mais rápidos. Quem só chegasse no fim nem percebia que a noite começou com a sala sentada.
A música tem muita força, Patti Smith sabe-o melhor que ninguém e o que ela quer fazer hoje em dia é celebrar as grandes canções do rock, por isso anda a divulgar um álbum de versões de outros artistas, por isso anda pelo mundo a dar concertos que são um desfile de clássicos que não deixa ninguém indiferente. Ouvir «Are You Experienced?» de Jimi Hendrix, ou «Smells Like Teen Spirit» dos Nirvana mostra como a música atravessa gerações, e nos une à voz de Patti Smith numa celebração rara e preciosa.
A sensação mais marcante deste encontro foi perceber que é possível estarmos num concerto de uma figura lendária e não existirem barreiras entre nós. Patti é uma das nossas, por isso canta para nós, e connosco. Junta-se aos seus fãs, canta no meio deles, dança com eles, e consegue manter a chama ordenadamente. Mais eficaz que dezenas de seguranças atrapalhados nos seus fatos e gravatas. Apesar de passar por versões de «Twelve», Patti Smith não ignora algumas das canções que lhe são associadas eternamente, por isso foi com euforia que se cantou «Because the Night», ou «Gloria», de Van Morrisson.
Sempre com palavras simpáticas entre as músicas destaque-se o momento em que dedica uma canção a Fernando Pessoa, e para os elogios a Lisboa, cidade a que dedicou a sua escrita em tempos passados, altura em que até o seu falecido marido Fred Smith (ex guitarrista dos MC5) estranhava tanto interesse por Lisboa. Foram duas horas que passaram num ápice, e se momentos antes do início do concerto tinha sido um norte americano a descansar as almas benfiquistas, no fim da noite uma norte americana despedia-se do Coliseu mostrando como a força da música e das palavras podem proporcionar momentos inesquecíveis. Como este concerto.
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