A noite tinha o nome de Festival Au Désert como tema. O Grande Auditório do CCB encheu para receber os sons do deserto, mais especificamente dos lados do Mali. A presença de Vieux Farka Touré, e dos Tinariwen pedia um ambiente envolvente diferente daqueles traços arquitectónicos, e sobretudo daquelas cadeiras incomodativas para quem queria reagir aos sons quentes, dançantes, e irresistíveis das guitarras que só pediam aos corpos que dançassem. Uma parte do público contornou a situação e ocupou as escadarias da sala para libertarem os instintos corporais acompanhando as vibrações dos blues africanos proporcionados por um surpreendente Vieux Farka Touré, e pelos excelentes Tinariwen.
O nome Farka Touré pode ser uma pesada herança mas a verdade é que Vieux, segundo filho mais velho de Ali, o honra dando razão a Toumani Diabaté que o levou para a sua banda há anos mesmo sem o pai Ali ter achado muita piada porque não queria o filho nestas andanças onde Ali foi tantas vezes enganado antes do reconhecimento. Como se sabe Ali faleceu vítima de cancro há pouco tempo, mas ainda participou nas gravações do disco de estreia que Vieux apresentou esta noite em Lisboa.
Acompanhado por bateria, viola, baixo e percussão, Vieux deu um grande concerto sempre seguro nas suas guitarras e violas acústicas, e viajando entre os blues, as raízes, e até passando por ramificações de reggae. Comunicou em francês, foi convencendo a plateia a abandonar as cadeiras para dançarem ao som das canções do seu disco, As influências estão lá todas, obviamente, mas Vieux consegue marcar o seu próprio terreno e saiu com a plateia completamente convencida.
Os Tinariwen já são da casa. Já assinaram grandes concertos no nosso país e por isso foram recebidos calorosamente. Mesmo em versão mais reduzida, sem elementos femininos, os Tuaregues não facilitam e logo ao primeiro tema constroem aquele muro sónico de guitarradas hipnóticas que nos levam logo para o imaginário do deserto do Saara. As canções já têm o efeito de surpresa das primeiras apresentações porque já temos os discos em casa para matarmos saudades, mas a mestria com que tocam as suas músicas continua cheia de magia, e quase que sentimos a areia debaixo dos nossos pés.
Um olhar disperso pela sala a meio do concerto denúncia nas galerias do lado direito um jovem alto, magro, de camisa aberta, boné vermelho, a dançar vigorasamente inclinando o seu corpo de tal forma que ameaça voar sobre a plateia sentada. No lado oposto numa galeria mais perto do palco uma jovem atrai muitos olhares pela maneira fascinante, e sensual que serpenteia o seu corpo ao som da música dos mulçumanos. É esta a essência de um concerto dos Tinariwen, a sua música invade-nos o corpo e a alma.
A meio do concerto Vieux Farka Touré junta-se para um tema, a alegria estampada no rosto de Touré é absolutamente deslumbrante, e contrasta com as faces religiosamente tapadas dos Tinariwen. Esta gente é feliz, e usa a música para atingir essa felicidade. Vê-se e sente-se.
A partir daí a actuação dos tuaregues ainda subiu mais de intensidade, a passagem pelos disco editado este ano «Aman Iman_ Water is Life» foi arrebatadora e levou a que todo o público se levantasse e assim ficou até ao fim.
Um cheiro intenso a deserto, a felicidade em forma de música trazida pelos grandes homens de África.
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