09 novembro 2007

Mariza no Pavilhão Atlântico: Sem Grammy mas com amigos


(foto Rita Carmo, in Blitz)

Seremos ainda um país de três F`s ? Olhando para a quantidade de bandeiras à janela em cada fase final de selecções sabemos que o futebol continua apaixonante. Observando o destaque dado à recente inauguração da Basílica de Fátima, percebemos que o mito está bem vivo. E a julgar pela presença de 12.500 pessoas que esgotaram esta noite o Pavilhão Atlântico temos o fado bem presente na nossa cultura.


A questão é saber se Eusébio, e Amália têm herdeiros à altura. A nível de talento nunca terão, mas em termos de aceitação já temos dois nomes bem lançados. Mariza está para o fado, assim como Cristiano Ronaldo está para o futebol. Nenhum é melhor que as duas lendas que marcaram o passado recente do nosso país, mas ambos se tornaram na principal marca de Portugal nas suas áreas. Bem trabalhados, e bem apoiados, curiosamente com instituições bancárias pelo meio, os seus talentos são cada vez mais reconhecidos pelo mundo fora, mantendo bem chama a vida dos 3 F`s.

Sabe-se que há uma nova, e talentosa, geração de fado que, felizmente, tem sabido captar as atenções dos mais novos para manter a tradição viva. Mariza é o nome maior porque tem divulgado o culto pelo mundo fora, com imensa inteligência, mantendo uma imagem que é clássica, mas também moderna, interpretando os fados mais simbólicos, mas também visitando sonoriedades diferentes. Os seus discos estão todos no top de vendas actualmente, e esta era a última noite da digressão «Oito Lugares Com História», e o último concerto em Portugal este ano. O reconhecimento mundial vem de todo o lado como prova a passagem pelo importante programa de tv americano David Letterman, ou os destaques dados pela imprensa especializada internacional como a revista inglesa Uncut.

Mariza sabe levar o triste, e negro, fado para os campos mais abertos e acolhedores da World Music. Se nós podemos vibrar com um espectáculo dos Tinariwen só pela musicalidade, e impacto visual dos Tuaregues sem percebermos uma palavra, porque não podem os outros sentir o mesmo com a nossa Mariza?

Esta visibilidade internacional podia ter conhecido hoje o auge com a entrega do Grammy na categoria de Melhor Álbum Folk, com «Concerto em Lisboa».

Podia mas não aconteceu. Já no encore Mariza anunciou que o Grammy, que tinha sido um bom chamariz para esgotar a sala, ia para a Colômbia. Foi pena, mas o público compensou com uma estrondosa ovação, e participação no último fado da noite, o emblemático «Gente da Minha Terra».

Pouco antes tinha-se ouvido uma excelente interpretação de «Primavera» onde Mariza mostrou toda a sua garra vocal, toda a expressão do seu sentimento através da voz, todo o seu talento.

Pena não ter sido este o ritmo do concerto. Afinal a anunciada presença de amigos da fadista ganhou uma dimensão maior que a esperada, e a verdade é que Mariza acabou por desaparecer de palco vários minutos cedendo o espaço totalmente aos seus convidados. Se no caso de Carlos do Carmo a cedência faz todo o sentido, cantar «Canoas do Tejo», e «Lisboa Menina e Moça» com mais de 12 mil pessoas em coro é arrepiante, já com os outros convidados soou a despropositado. O angolano Filipe Mukenga, o brasileiro Ivan Lins, Rui Veloso e o cabo verdiano Tito Paris deram uma expressão lusófona ao espectáculo, mas retiraram muito do protagonismo que se queria ver em Mariza. Não deixa de ser estranho olhar de repente para o palco e ver Rui Veloso a embalar a plateia com um hit de novela chamado «Jura» numa noite de fado!

É este o segredo de Mariza, parte do fado para o resto da cultura musical lusófona e cria o tal ambiente World Music que é muito menos fechado que o fado tradicional, mas também menos fascinante.

A noite abriu oportunamente com imagens e sons do filme «Fados» de Carlos Saura, em exibição nas salas portuguesas, num ecran gigante fixado por cima de um palco bem simples, com bonitos jogos de luz, onde os guitarristas que acompanham a fadista, mais uma secção rítmica de percussão, e a Sinfonietta de Lisboa, repartiram o espaço, sendo que sempre que Mariza tomava conta dos fados enchia não só o palco, como toda a sala, com a projecção da sua magnífica voz.

Foi uma noite de celebração, com menos fado do que se podia esperar, e sem grammy para aclamar. Na memória ficam as sábias palavras do senhor Carlos do Carmo que explicou às massas que no fado não se acompanha com palmas, canta-se. Sem palmas.

in disco digital