Por Mário Lopes, Público
A mítica Gibson, ícone rock'n'roll utilizado por guitarristas como Jimmy Page, Pete Townshend ou Slash, é a face mais visível do legado do mítico Les Paul, que morreu ontem em White Plains, Nova Iorque, aos 94 anos, vítima de uma pneumonia.
Até recentemente, e apesar de nonagenário, era possível vê-lo em palco semanalmente no clube nova-iorquino Iridium, interpretando os standards country e jazz que tanto admirava e as canções que fizeram dele uma estrela nos anos 50. Nessa altura, com Mary Ford, então sua mulher, tornou-se omnipresente na rádio e televisão americanas.
Apesar da artrite que já lhe dificultava os movimentos, parecia encontrar sempre forma de exibir o estilo límpido e virtuoso que o tornou num dos guitarristas mais reconhecidos do seu tempo.
Nasceu Lester William Polfuss em Waukesha, Wisconsin, a 9 de Junho de 1915, e foi pioneiro da guitarra eléctrica de corpo sólido, imprescindível para o nascimento do rock'n'roll, e das técnicas de gravação multipistas que se tornaram a norma desde a década de 1960.
Nos anos 1930 e 1940, influenciado por Django Reinhardt, tocou com Bing Crosby, Frank Sinatra ou Louis Armstrong.
Foi durante este período que o seu espírito inventivo se revelou de forma decisiva. Em 1941, apresentou-se pela primeira vez em palco com o instrumento a que chamou The Log: um pedaço de madeira, ligado a um braço de guitarra, onde instalou dois pickups, o que possibilitava prolongar electricamente as notas tocadas na guitarra.
Apesar de inicialmente recebida com escárnio pelo público e colegas músicos, foi a partir dela que, no início dos anos 1950, a Gibson criou o famoso modelo imortalizado com o seu nome.
Nessa altura, com canções como Vaya con Dyos ou How high the moon, Les Paul e Mary Ford eram presença regular nos tops americanos e a guitarra eléctrica moderna, tal como ele previra uma década antes, tornou-se o som do futuro.
Contudo, não era apenas famoso pelas canções que compunha ou pelo talento como guitarrista. Era-o também pelas inovadoras técnicas de gravação por pistas que desenvolvera, permitindo-lhe sobrepor vários canais sonoros e manipulá-los de forma a alterar-lhes o som: inovações como acelerar uma pista de guitarra até o som desta se transformar num frenético zumbido, criar um som imenso com 12 pistas de guitarra ou complexas harmonias vocais a partir de uma fonte apenas (no seu caso, a de Mary Ford).
Com a chegada do rock'n'roll, que ajudara a fazer explodir e que adoptaria muitas das suas técnicas, a estrela de Les Paul começa a esbater-se. Separa-se de Mary Ford em 1964 e entra numa semi-reforma.
Nos últimos anos, regressou à sua identidade primeira, músico de palco - forma de nos lembrar que era, antes de tudo o mais, um músico extraordinário.
Em 1948, esmagou o braço e o ombro direitos num grave acidente rodoviário. Informado pelos médicos de que não voltaria a recuperar o movimento do ombro e que este se fixaria na posição em que fosse reconstruído, foi preciso nas instruções dadas ao cirurgião que o operou: "Coloque-o de forma a que consiga tocar".
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